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Os riscos da descentralização da legislação ambiental
O desmantelamento do pacto federativo na área ambiental amplia a capacidade de barganha dos estados para além da “Guerra Fiscal”.
Fonte Paulo Salamuni - 08/04/2011 - 17h06min Imprimir

Por Paulo Salamuni*

Entende-se por guerra fiscal a disputa entre os estados em conceder incentivos fiscais para atrair investimentos. Esses incentivos são dados no âmbito do ICMS, imposto estadual que tributa a circulação de mercadorias e alguns outros serviços. Esta prática se dá via concessões de benefícios fiscais, financeiros e de infraestrutura para as empresas interessadas em investir ou transferir seus investimentos para o estado concessor do benefício.

A guerra fiscal não é uma disputa saudável. Ela se trava à revelia do Conselho Nacional de Política Fazendária – CONFAZ. Esse Conselho, criado em 1975, tem como função reunir em Brasília os secretários da Fazenda dos estados e o Ministro da Fazenda para que, juntos, acordem unanimemente acerca de incentivos fiscais. Esperava-se que os estados acatassem as resoluções deste conselho, que teria como responsabilidade a definição dos convênios entre os estados, que determinariam as alíquotas e as condições para possíveis isenções. O problema é conseguir a unanimidade.

No início da década de 1980 começa um movimento de busca ao fortalecimento dos estados e municípios. Com a promulgação da Constituição de 1988, consagra-se êxito a esse grupo formado principalmente por prefeitos e governadores. A Carta Magna transfere maior fatia do bolo tributário e concede maior autonomia para essas unidades federativas legislarem sobre suas fontes de arrecadação. Esta liberdade fiscal propiciou o acirramento da chamada “Guerra Fiscal”, estimulando a disputa entre estados que objetivaram a promoção do desenvolvimento regional e utilizaram a concessão de benefícios às empresas para instalação de novas plantas industriais no seu território. Essa guerra não é um fato novo na política brasileira. Existem registros de tal prática desde a década de 1920, mas ela assume proporções expressivas e preocupantes na década de 1990.

A promulgação da Constituição de 1988 culminou com maior descentralização político-fiscal, via ampliação da autonomia federativa entre os estados e municípios. A partir daí desenvolveu-se o processo da chamada “Guerra Fiscal”. A disputa tributária sempre existiu, porém em proporções reduzidas em face das legislações vigentes. Com a Carta Magna de 1988, que transferiu maior fatia tributária para os estados e municípios, e concedeu poderes para os mesmos legislarem sobre as suas receitas (IPVA e ICMS no âmbito estadual e IPTU e ISS em âmbito municipal).

Entretanto, os estados a ignoraram e continuam a dar incentivos e privilégios à revelia do CONFAZ. Esta prática tomou proporções expressivas a partir de 1994 com a estabilidade econômica. As concessões dadas pelos estados chegam em muitos casos a ser abusivas. Em alguns casos não há apenas a intenção de incentivar a entrada de novos investimentos para a região, mas um verdadeiro estímulo à “pirataria fiscal”. A título de exemplo, o caso do Espírito Santo é ilustrativo, pois propiciava ao importador que operasse pelo porto de Vitória um financiamento equivalente a 70% do imposto devido (ICMS gerado na venda do bem importado), por 25 anos sem juros e sem correção monetária. Só em 1994, o Brasil importou cerca de 300 mil automóveis dos quais 90% entraram pelo porto de Vitória e dos quais 45% foram consumidos pelo estado de São Paulo. Criou-se desta forma uma disputa para arrecadar 30% do imposto gerado na venda do bem importado que provavelmente seria recolhido em outro estado, geralmente o estado consumidor.

Isto chamou a atenção para as contendas judiciais criadas a partir de tais práticas entre os estados, que se arrastam pelo Supremo Tribunal Federal, o nosso Tribunal Constitucional. Estas ações mostram que enquanto um estado se beneficia, gera algum prejuízo para outro, evidenciando assim que a “Guerra Fiscal” é extremamente nociva ao equilíbrio federativo.

O desmantelamento do pacto federativo na área ambiental amplia a capacidade de barganha dos estados para além da “Guerra Fiscal” e coloca em risco não apenas o que está explícito no projeto de Lei do Código Ambiental Brasileiro, mas permite também a minimização das exigências do Código Florestal, licenciamento por decurso de prazo, criação de Ucs apenas pelo legislativo, supressão do poder regulatório do CONAMA e revisão das atribuições do IBAMA e do Instituto Chico Mendes e etc.. A delimitação estabelecida pela legislação federal, a partir da Lei da Política Nacional de Meio Ambiente (Lei N° 6938/81) é bem clara:

Art 5° - As diretrizes da Política Nacional do Meio Ambiente serão formuladas em normas e Planos destinados a orientar ação dos Governos da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios no que se relaciona com a preservação da qualidade ambiental e manutenção do equilíbrio ecológico, observados os princípios estabelecidos no Art. 2° desta Lei.

Parágrafo Único – As atividades empresariais públicas ou privadas serão exercidas em consonância com as diretrizes da Política Nacional do Meio Ambiente.

Art. 6°- Os órgãos e entidades da união, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, bem como as fundações instituídas pelo Poder Público responsáveis pela proteção e melhoria da qualidade ambiental, constituirão o Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA.

Ao “recuperar”a autonomia dos estados no campo da legislação ambiental pode-se prever, sem nenhum temor de errar, a mesma competição que se estabeleceu entre os estados a partir da descentralização político-fiscal conquistada por pressão de governadores e prefeitos na Constituição de 1988.

Já existem casos claros de concessões na área ambiental para atrair investimentos. O mais clássico talvez seja o da fábrica da Renault na Região Metropolitana de Curitiba, instalada em área de manancial e dispensada de Eia/RIMA em 1996. Além de receber isenção fiscal, a fábrica ganhou o direito sobre um rio importante para o abastecimento público numa área antes definida como de interesse social pelo fato de ser um manancial. Depois da Renault outras empresas passaram a reivindicar o mesmo tratamento e grande parte do manancial passou a ser ocupado por indústrias de todo o tipo.

É importante lembrar, aí, que o custo social desses benefícios é totalmente transferido para a sociedade pois a captação de água é deslocada para pontos cada vez mais distantes, exigindo, portanto, maiores investimentos que são ressarcidos, em última análise, pelo consumidor de água.

O agravante no caso de uma competição entre estados para atrair investimentos com favores ambientais é que se trata de negociar bens essenciais à vida. E a articulação entre algumas das medidas propostas permite levar ao extremo de imaginar, por exemplo, a construção de uma estrada cortando um parque ou uma UC de proteção integral para atender interesses específicos, aprovados pelo legislativo estadual que passará a ter poder de vida ou morte sobre as UCs.

Do mesmo modo, uma propriedade agrícola consolidada, se considerada de interesse social, como quer o pretenso Código Ambiental Estadual, poderá ocupar área de APP em nome deste mesmo interesse.

Vale lembrar, também, que a desigualdade de limites para uso dos recursos do ambiente entre os diversos estados causará diferença de custos por produção entre empresas, dificultando enormemente a situação daquelas já adequadas às normas atuais. E aí, a situação é tragicômica: a empresa desiste de processos ambientalmente eficientes (e pelos quais já pagou) ou perde espaço no mercado.

É claro que, considerando a forma como o mercado evolui usando as conformidades ambientais atuais como critério para aceitação/valorização de produtos, poderá haver um processo inverso, gerando uma lista de estados mais permissivos e empresas que aproveitam essa permissividade. Resta saber quem vence batalha. Quem perde, nós sabemos: os ambientes naturais que asseguram o funcionamento dos processos ecológicos essenciais que fornecem os serviços ambientais vitais e a sociedade que deles depende.

Do jeito que está, o ser humano pagará um pesado tributo pela sua ganância, sua insensibilidade, sua pouca lucidez e fundamentalmente pelo seu desrespeito à natureza.

*Paulo Salamuni, procurador do município, vereador de Curitiba, líder do PV e candidato do Partido Verde ao governo do estado do Paraná em 2010.

Foto Marcello Casal Jr./ABr
 

 
     


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