Ao longo de minha vida profissional, focada na área da conservação da biodiversidade, sempre considerei a história recente de Curitiba com uma visão muito crítica. Talvez por ser curitibano, eu mantenha uma condição de evitar ufanismos exagerados sobre as políticas voltadas à conservação no município. Que se aproxima dos dois milhões de habitantes e é cercado por uma região metropolitana que sofre um crescimento bastante acelerado, em especial a partir da década de 90.

E o argumento mais forte para esta reserva e ponderação é de ordem conceitual. Ainda sob a tutela de uma visão muito generalista sobre as "questões ambientais", nossa sociedade comumente não diferencia com facilidade o que se refere, mais estritamente ao tema da conservação, prejudicando, inclusive, uma avaliação mais precisa do que é a realidade atual.

Temos um costume muto arraigado de colocar, na mesma cumbuca, uma série muito variada de demandas ambientais. Algumas com maior intensidade, como a questão do lixo, da água, do tratamento de efluentes, do transporte. E, por outro lado, temas que mesmo gerando bastante visibilidade, são muito limitados em relação a escala, em geral limitando-se a iniciativas demonstrativas.

Estas ações mas pontuais, que muitas vezes ganham notoriedade e merecido reconhecimento pelo caráter inovador, não respondem adequadamente hora de se avaliar o quanto da demanda realmente é atendida. E, neste campo, em lugar de destaque, se encontra a agenda da conservação da biodiversidade. Uma cirscunstância que não tem em Curitiba um caso de exceção, uma vez que praticamente em todos os municípios brasileiros, em especial as capitais e outras cidades de maior porte, a agenda da conservação ainda é vista de forma incipiente se considerarmos o enorme desafio demandado.

Assim, com a incapacidade da sociedade em discernir adequadamente o que é o que, na cada vez mais ampla e diluida agenda ambiental, fica, a maioria de nós, considerando que o processo, de alguma maneira, está sendo equacionado. E que a condição ambiental mais geral de uma cidade de Curitiba demanda avanços, naturalmente, mas que "comparada com outros centros" está muito além da média. Este tipo de  posicionamento é, ao mesmo tempo reflexo de uma realidade, pois somos mesmo mais avançados do que praticamente todos os municípios de maior porte deste país. Mas também gera riscos bastante consideráveis, inibindo comportamentos de cobrança mais intensos e dificultando avanços e inovações, características de situações onde a fama incrementa o risco da imobilidade.

Muito recentemente, simbolizando uma mudança importante que reforça e dá mais consistência técnica ao tema da conservação - o termo "áreas verdes", largamente utilizado em áreas urbanas para definir, sem especificar, trechos com cobertura vegetal que vão de remanescentes naturais ainda relativamente bem conservados, até plantios arbóreos utilizados para atividades de urbanização, sofreu um perda de status na sua utilização, historicamente generalizada, na cidade de Curitiba.

Um novo programa decorrente das mais de três décadas de políticas de criação de parques municipais oriundos de remanescentes nativos ao redor do centro da cidade, apresenta um grupo de atividades que busca atender, com maior precisão, o tema da conservação da biodiversidade.Isto sim uma novidade merecedora de elogio e estímulo. Trata-se do Biocidade, um conjunto de novas iniciativas que, além de aproveitar o lastro de instrumentos já instituídos faz muitos anos, como o desconto do IPTU para proprietários que possuam áreas conservadas, gera uma nova modalidade de Reserva Particular do Patrimônio Natural, a RPPN Municipal, com a possibilidade de troca do potencial construtivo da área, em benefício do proprietário que assumir a responsabiliadde de criar e manter sua própria Unidade de Conservação dentro do muncípio.

Além disto, o Biocidade apoia iniciativas de extensionismo conservacionista, propiciando que cidadãos interessados em incrementar suas capacidades em fazer conservação em suas próprias áreas, recebam orientação técnica e prática. Um esforço de difundir a uso de especies nativas nos jardins de Curitiba e de recomendar a retirada e a não utilização de espécies exóticas invasoras são outras ações que começam a destrinchar o normalmente tão genérico e pobre conceito de "ajudar o meio ambiente" e "proteger a natureza", não raro restrito a ações de não jogar lixo no chão e controlar o consumo de água.

Mas estas iniciativas continuam na condição de exemplo, ainda não conseguindo se tornar verdadeiras políticas públicas, gerando desdobramentos além fronteiras e contaminando positivamente a tão pressionada região metropolitana, de onde vem, por sinal, todo o abastecimento de água de nosso município, apenas um dos serviços ambientais críticos, dos quais dependemos para existir.

Mesmo na condição de curitibano chato, intransigente, e insatisfeito com o que se apresenta no cenário da conservação atual, e, ainda, com a enorme dificuldade ainda presente para permitr a necessária ampliação dos bons exemplos que Curitiba oferece, é com um otimismo contido que se deve reconhecer que as chances de verdadeiras mudanças ainda existem, e podem ser enormemente facilitadas se nossa cidade assumir uma posição congruente com a imagem que, principalmente lá fora, desfruta e capitaliza.

O mundo aquece as discussões que relacionam a conservação da biodiversidade aos negócios, assunto puxado por governos e empresas que desenvolveram a capacidade de enxergar o óbvio - sem respeito adequado ao Patrimônio Natural do planeta, em poucos anos a conta da exploração e uso da natureza não fechará mais, abrindo uma situação de risco sem precedentes para nossa própria existência. Se Curitiba pretende seguir como protagonista das cidades do futuro, não pode pretender tornar-se uma nova São Paulo, o que não raro me ocorre. E sim, encontrar outras formas de desenvolvimento, assumindo verdadeiramente uma estratégia para manter e melhorar nossa qualidade de vida e a saúde econômica dos negócios aqui realizados. E a conservação da biodiversidade, embora muitos ainda duvidem e façam pouco, é parte intrínseca, indissociável e fundamental para que este jogo acabe com um final feliz.

Clóvis Borges
Sociedade de Pesquisa em Visa Selvagem e Educação Ambiental - SPVS
www.spvs.org.br